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Em julgamento histórico, STF aprova uso de embrião - Jornal da Ciência / Notícias nº3522 de 30 de maio de 2008
Publicado em: 30/05/2008,00:00
Por 6 votos a 5, corte derrubou ação que questionava a Lei de Biossegurança. Julgamento, iniciado em março e interrompido duas vezes, teve bate-boca entre ministros; pesquisas com célula-tronco continuam. Felipe Seligman, Angela Pinho e Johanna Nublat escrevem para a Folha de SP: Com bate-bocas e discussões acaloradas, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ontem (29/5), no terceiro dia de julgamento e após mais de 15 horas de discussão, pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permite as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas. O julgamento, considerado um dos mais importantes da história do tribunal, colocou em lados opostos a Igreja e a comunidade científica e dividiu os integrantes da Corte. No final, prevaleceu a tese do relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, que votou pela liberação das pesquisas, sem a criação de novas restrições ou regulamentações. Com ele, votaram os ministros Ellen Gracie, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Já os ministros Carlos Alberto Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e o presidente Gilmar Mendes, apesar de não considerarem inconstitucional o artigo da lei, propuseram "correções" à alguma "deficiência" legal. O tribunal começou a julgar no início de março uma ação de inconstitucionalidade proposta pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles. Na ocasião, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, de formação católica. O relator do processo, Ayres Britto, já havia se manifestado a favor das pesquisas, assim como a então presidente do STF, Ellen Gracie. O julgamento foi retomado anteontem (28/5), mas foi suspenso após dez horas de votação. Ontem votaram Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente do STF, Gilmar Mendes. Os dois primeiros acompanharam Britto integralmente. Ao defender as pesquisas, Marco Aurélio afirmou que os embriões que "fatalmente seriam destruídos podem ser aproveitados na tentativa de progresso da humanidade" e classificou como um "paradoxo" que, "ante material biológico que terá [como] destino único o lixo, seja proibida a utilização para salvar vidas". "Quanto preconceito, quanto egoísmo." Já Celso de Mello argumentou que o debate tratava do limite sobre a vida e a morte. "Mais do que um ato técnico, o julgamento foi um exercício solidário em defesa à vida." Esclarecimento A sessão começou com um pedido de esclarecimento do ministro Cezar Peluso. Ele afirmou que, ao contrário do que foi noticiado, seu voto não continha qualquer ressalva à lei. Anteontem, ele havia defendido que membros dos comitês que fiscalizam as pesquisas fossem responsabilizados criminalmente em caso de desvio ético e que um órgão aprovasse os membros de tais comitês. Horas depois, ao final da sessão, ele defendeu que estivesse expressa na decisão do tribunal que as pesquisas deveriam ser fiscalizadas pela Conep (Comissão de Ética em Pesquisa), ligada ao Conselho Nacional de Saúde -um projeto nesse sentido já tramita na Câmara. Sua ressalva foi rebatida pelo mais antigo ministro do tribunal, Celso de Mello, que não aceitou a inclusão do argumento na proclamação do resultado. Ele afirmou que Peluso não fazia parte da maioria vencedora, mas estava "em posição minoritária", já que não havia votado pela improcedência total da ação. Sua argumentação foi corroborada por Ayres Britto. Tal posição provocou um bate-boca entre Peluso e Mello. Peluso insistia em afirmar que não havia proposto qualquer restrição às pesquisas, mas queria que "ficasse claro" sua posição. Sob a reação negativa, afirmou: "Vossa Excelência [Celso de Mello] gastou uma hora para falar isso? Tudo o que nós falamos é inútil?". Eros Grau pediu então ao presidente que encerrasse a sessão." Sem força Não foi, porém, a única polêmica do dia. No início da sessão, a ministra Ellen Gracie pediu a palavra para comentar o voto de Direito, que propôs a adição de seis restrições -não previstas na lei- às pesquisas com células-tronco embrionárias. "A proposição final do voto de sua excelência, por todas as formas brilhante, praticamente produz uma adulteração da norma contida no artigo", com "tais e tantas condicionantes que eliminam a sua força normativa". Direito disse "lamentar" que a ministra "não tenha tido a oportunidade de acompanhar detalhadamente o voto". (Folha de SP, 30/5) Vitória traz responsabilidades, diz cientista "A aprovação traz a expectativa de novos investimentos e a possibilidade de progresso científico no país", diz neurocientista da UFRJ Segundo a geneticista Mayana Zatz, da USP, que comemorou ontem (29/5) a derrota da Adin contra a lei de Biossegurança, os cientistas devem assumir agora "um enorme senso de responsabilidade". "Não estamos prometendo a cura imediata, mas estamos prometendo que vamos fazer aqui o que se faz no mundo inteiro", disse. Patrícia Pranke, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que agora "é hora de voltar ao laboratório". Para o neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a decisão vai influenciar diretamente o futuro das pesquisas. "A aprovação traz a expectativa de novos investimentos e a possibilidade de progresso científico no país." O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse em comunicado à imprensa que a decisão do STF atende à expectativa de "milhares de pacientes" que têm esperança de cura para as suas doenças. "O resultado permite à ciência assumir nova posição no cenário internacional", afirmou Temporão. A comemoração tomou conta do saguão do STF e da área em volta da estátua da Justiça antes de declarado o fim do julgamento. Dez cadeirantes, todos sorrindo, se juntaram a amigos e cientistas num abraço. Nesse momento, faltava apenas um voto a ser lido, o que deu segurança aos militantes. "Vitória" era a palavra que se destacava durante a pose para a foto simbólica. "Conseguimos! Não falei?", disse a costureira paulista Angelita Oliveira, 40. Ela é mãe de Kathy, 9, portadora de distrofia muscular e figura sempre presente nas manifestações de apoio à pesquisa. A bióloga Lygia da Veiga Pereira acompanhou a votação pela TV em seu laboratório na USP. "Agora mais grupos podem tomar coragem para mergulhar fundo na pesquisa com células humanas", disse. "Espero que a gente consiga agora atrair a iniciativa privada." Derrotados Um comunicado da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que teve sua posição derrotada, diz que a divisão entre os membros do tribunal mostrou que "não se trata de uma questão religiosa, mas de promoção e defesa da vida humana, desde a fecundação, em qualquer circunstância em que esta se encontra." Falando para um grupo de colegiais, Matheus Sathler, 24, que se apresentou como advogado da frente parlamentar evangélica e bateu boca com cadeirantes, disse que o resultado era um atraso. "Não se discute mais célula-tronco embrionária no mundo." Lídia Said, 53, vestia uma camiseta em defesa do uso apenas de células-tronco adultas. "Eu lamento pela sociedade." Sobre a influência religiosa no julgamento, disse: "Não consigo ver um ser humano isolado. Como em outras áreas, a religião permeia o debate." (Folha de SP, 30/5) Fonte: Jornal da Ciência / Notícias nº3522 de 30 de maio de 2008. Rita Juliano / Natália Aquino Assessoria de Comunicação LNCC Laboratório Nacional de Computação Científica 24 2233 6039 imprensa@lncc.br