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Desenvolvido no LNCC, estudo inédito identifica bactérias resistentes em hospitais do Brasil
Publicado em: 27/09/2019,15:06
A pesquisa, realizada em hospitais das cinco regiões do país, mostra a mutação e a disseminação da bactéria Acinetobacter, responsável por 11% das infecções hospitalares e resistente a 80% dos antibióticos. Os resultados confirmam um problema mundial. Um estudo inédito na América Latina, desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, identificou uma classe resistente de bactéria responsável por 11% das infecções por cateter sanguíneo e internações em unidades de terapia intensiva (UTI) dos hospitais do Brasil. A bactéria, denominada Acinetobacter spp. ou Acinetobacter multirresistente, apresenta resistência a até 80% dos antibióticos. Os resultados confirmam um problema mundial: o aumento do número de bactérias multirresistentes. Nesse sentido, a pesquisa faz um alerta para a necessidade do uso racional de antibióticos e a aplicação de políticas comuns de controle de infecção em ambientes hospitalares em todo o país. "A bactéria Acinetobacter causa infecção hospitalar e está se tornando cada vez mais resistente a todos os antibióticos. É um problema que era mais ou menos comum em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, mas desde as guerras do Iraque e Irã está aparecendo também nos Estados Unidos e na França, por conta, também, da imigração. É um problema de saúde pública mundial", afirma a coordenadora da pesquisa, Ana Tereza Vasconcelos, chefe do Laboratório de Bioinformática do LNCC. As espécies de Acinetobacter são resistentes a diversos antibióticos, incluindo a penicilina, o cloranfenicol e os carbapenens, estes, reconhecidos como o tratamento "chave" ou de última escolha. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças tem advertido para o crescimento crítico na resistência aos antibióticos em linhagens de Acinetobacter. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma análise feita em 114 países revelou uma situação alarmante diante da resistência bacteriana em todas as regiões do mundo. "A Acinetobacter apresenta a quarta maior prevalência dentre os patógenos bacterianos que causam infecção hospitalar, e não há muitos estudos sobre ela e nem sobre como está se disseminando no Brasil. A primeira desse ranking é a Klebsiella pneumoniae carbapenemase, conhecida como KPC, e tem várias resistências. Mas, neste caso, há bastantes grupos a estudando. Ocorre que essas bactérias moram dentro das UTIs e quanto mais debilitada a pessoa estiver, maior será o risco de morte. A Acinetobacter pode matar em até 72 horas", explica Ana Tereza. Metodologia A pesquisa, iniciada em 2014, realizou amostragens em nove hospitais distribuídos nos estados do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Pará, São Paulo e no Distrito Federal. Em cada hospital havia um infectologista e um microbiologista responsáveis pela identificação e caracterização da bactéria e suas resistências. Os profissionais lotados nesses hospitais são coautores do estudo. "Ainda é um projeto-piloto. Queremos ampliar para mais hospitais em todo o território nacional. O que fizemos foi identificar e caracterizar as bactérias e as resistências delas em relação aos antibióticos. A Acinetobacter produz uma enzima chamada OXA-23 que leva à resistência aos carbapenens. Além desta enzima, identificamos também, em diferentes hospitais de São Paulo, uma nova enzima, a OXA-72. Somente dois antibióticos são capazes de controlá-la e matá-la: a tigeciclina e a polimixina. Este achado é preocupante, porque as bactérias podem trocar resistência entre si, e outra bactéria passar a produzir esta", esclarece a pesquisadora. As descobertas do estudo corroboram os resultados prévios de pesquisas anteriores que demonstraram o aumento dos casos de resistência a antibióticos por determinados tipos de bactérias em UTIs do país. De 1997 a 2010, os casos de resistência bacteriana associados à disseminação da OXA-23 e outros clones de patógenos saltaram de 12,6% para 71,4%. Saúde pública De acordo com a infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ana Gales, autoridade no país no estudo de resistência bacteriana e coautora da pesquisa, os resultados chamam a atenção para a importância do controle das infecções hospitalares. As bactérias normalmente sofrem mutações e se tornam resistentes a antibióticos, mas o uso indiscriminado desses medicamentos, com a prescrição desnecessária por médicos e pacientes que não concluem os tratamentos, acelera a resistência bacteriana. "Muitas vezes o paciente acaba morrendo não da doença, e sim por conta da infecção causada pela bactéria. Habitualmente, a Acinetobacter raramente coloniza o ser humano. Uma pequena porcentagem de pessoas será contaminada, principalmente, os pacientes imunologicamente debilitados. Quando o paciente fica internado, naturalmente, acaba recebendo medicação antimicrobiana e, com isso, as bactérias que colonizam o corpo humano acabam sendo destruídas, abrindo a chance para que bactérias presentes no ambiente hospitalar possam colonizar o paciente. A gente pode prevenir um grande numero de casos, mas não todos. O paciente está intubado, recebeu antibiótico, fez cirurgia, ou seja, vai acumulando fatores de risco, e isso acaba facilitando a infecção", afirma Ana Gales. A falta de rigor com a limpeza hospitalar e os cuidados adequados no contato e transporte de pacientes intubados ou com cateteres intravenosos contribuem para disseminação da Acinetobacter nos ambientes hospitalares. A infectologista explica que o fato de encontrar bactérias idênticas em hospitais de diferentes regiões revela que as cepas não foram controladas. Segundo ela, cada hospital tem de ter um serviço de infecção hospitalar atuante. "Por lei, todo hospital tem um serviço de controle de infecção hospitalar. Então, o que esse estudo tem que alertar é que as medidas de controle não podem ser somente institucionais, mas, sim, aplicadas em várias instituições como medidas comuns. Por exemplo, o mesmo clone de bactéria encontrada em São Paulo foi encontrado em Brasília. Isso comprova a disseminação. Essas bactérias geralmente se disseminam através da transferência de pacientes ou do contato entre profissionais de saúde e pacientes. É importante alertar que as medidas de controle de infecção hospitalar têm de ser aplicadas de maneira mais rigorosa, como, por exemplo, a distância mínima de até um metro entre pacientes internados. Não adianta um hospital fazer um controle muito bom e outro não", alerta. Futuro Além de ampliar o estudo para um número maior de hospitais do país, as pesquisadoras pretendem levar o projeto para o Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta primeira fase foi possível traçar um panorama das cinco regiões do país. A pesquisa foi realizada com recursos próprios do LNCC e aporte financeiro do Instituto Mérieux, da França, no valor de 30 mil euros. "Estamos esperando abertura de algum edital para submeter o projeto e continuar trabalhando em rede. Queremos partir para o sequenciamento em larga escala. Conseguimos juntar pesquisadores do Brasil inteiro para traçar esse panorama, e o artigo está sendo citado, pois é o primeiro da América Latina que faz essa descrição mais geral", diz Ana Tereza Vasconcelos. O artigo, em inglês, foi publicado no jornal internacional Diagnostic Microbiology and Infectious Disease. FONTE: MCTIC